Pagu

Patrícia Rehder Galvão

Um anjo inquietante, desceu à Terra... além... muito além do Martinelli... qual estrela cadente, feito gente, mas não como tantos. Um anjo inconformista, inconformado com as mazelas dos homens. Um anjo rebelde, revolucionário e visionário, a ponto de enxergar com rara clareza, no auge da escuridão, a luminosidade da esperança. Um anjo sonhador, que nos faz sonhar com um utópico mundo sem fronteiras, sem preconceitos, sem injustiças... Assim... Aconteceu em 1910...


1910. Nasce Pagu em São João da Boa Vista.

Patrícia, a PAGU, nasceu na cidade de São João da Boa Vista, no dia 14 de junho de 1910 às 2 horas da tarde, na casa nº 21 da antiga Rua São João (hoje Getúlio Vargas). A casa onde nasceu Patrícia embora construída de taipa e barro sovado, era sólida e de boa aparência. Depois de reconstruída, o sr. Antônio Balestrin passou a residir ali com a família, instalando nela inclusive, sua fábrica de móveis. Patrícia era filha do Dr.Thiers Galvão de França, advogado e jornalista e de Adélia Rehder Galvão, filha da tradicional família Rehder. Foram seus avós paternos Joaquim Galvão Freire de França e Guilhermina Galvão e avós maternos Germano Rehder Sobrinho e Ordália Aguiar Rehder. Dr.Thiers e D.Adélia casaram-se em 1902, ele com 28 anos e ela com 18 anos. Dessa união nasceram 4 filhos: Conceição, Homero, Patrícia e Sidéria. A última nasceu quando a família já morava em São Paulo.


Pagu e irmãos em São João da Boa Vista.

(...) “Dona Adélia, embora muita enérgica, era uma senhora de grandes virtudes, muito simpática. No momento de abria a porta costumava convidar: “Entra, Freitinha, coloca o frango na gaiola e entrega as mercadorias para a Camila”.
Camila, uma morena cor de cuia, era ótima cozinheira e muito estimada pela família Galvão de França. Camila era natural de Ângola (África) e falava um ótimo português. Tinha por hábito mascar fumo, às escondidas de D.Adélia. Após a entrega das mercadorias, eu permanecia na sala, arrumada com mobílias estilo austríaco, em companhia dos três filhos Conceição, Homero e Patrícia. Com permissão de D. Adélia, eu costumava sair com a garota Patrícia em meus braços para comprar doce na casa comercial do Sr. José Del Nero, que era anexa a residência dos Galvão de França. O doce preferido era a bolacha preta que custava400 réis."”(Luiz de Freitas)


1914. A família muda-se para São Paulo.

Ainda era criança, quando viu surgir diante de seu olhos a cidade grande, São Paulo, erua da Liberdade, novo endereço da família, onde nasceu Sidéria, Sid a amiga íntima.

Além da Escola Normal no Colégio Caetano de Campos, teve aulas no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, com Fernando Mendes de Almeida e Mário de Andrade. “Mário de Andrade tinha um riso largo de criança, na minha infância,eu roubando frutas no tabuleiro da casa que tinha perto do conservatório, na avenida São João, e nós meninas sem saber que aquele professor comprido e feio era um poeta”, comentaria num artigo em 1947, no Diário de São Paulo.

(...) Houve a Didi Caillet, em 1929, e a Patrícia se apresentou recitando alguns poemas. Aliás foi muito engraçado esse dia. Nós fomos a esta festa, eu, mamãe e papai, mas a Pat não estava com a gente, que ela tinha ido na casa de Oswald com Tarsila. E, de repente, a gente viu numa frisa – a gente estava na platéia – a Pat com Tarsila e tudo, completamente irreconhecível. A gente dizia e a Pat, não é a Pat (a gente não a chamava de Pat, mas de Zazá, que ela odiava), mas a gente não entendia porque ela estava completamente maquiada, de um jeito diferente. Pra dizer a verdade eu não gostei, achei até mais feia do que ela era realmente, estava muito sofisticada pelo meu gosto, eu era menina naquele tempo, não gostei mesmo. Daí ela declamou essas coisas, porque ela tinha conhecido Didi Caillet na casa de Tarsila, depois tinha aquele lero-lero de Didi Caillet ser intelectual...(Sideria Galvão)


Com a irmã Sidéria (Sid) na praia em Santos.

Uma das paixões de vida de Patrícia Galvão foi o mar. Tema recorrente em suas poesias, crônicas, prosas, até na sua conversa, o mar para ela era basicamente o mar santista, resumo dos mares – bem mais que sete – que ela percorreu em seus 52 anos de vida...


1929. Participa da segunda fase do Movimento Antropofágico.

Contrariando o mito, Pagu não participou da Semana de Arte Moderna de 1922. Tinha apenas 12 anos nessa ocasião. O nome de Pagu é ouvido pela primeira vez em 1929, quando, adolescente de 18 anos de idade, ela freqüentava o ambiente contestatório do movimento de antropofagia, comandado pela desinibição estética e cultural de Oswald de Andrade. O movimento antropofágico, lançado em 1928 com o "Manifesto Antropófago" escrito por Oswald, era uma radicalização do modernismo de 1922. Esse texto foi publicado no primeiro número da Revista de Antropofagia, criada para difundir o movimento. Depois de dez números, a revista passa por uma reformulação e inicia sua segunda fase, ainda mais radical que a primeira. É nessa "segunda dentição" – como os autores se referem à nova fase – iniciada em 1929, que Pagu inicia sua colaboração, basicamente com desenhos. Em junho desse mesmo ano, ela se apresenta numa festa beneficente no Teatro Municipal em que, vestida por Tarsila, declama poemas modernistas, incluindo "Coco" de Raul Bopp e um poema de sua autoria, presente no "Álbum de Pagu", de 1929, livro não publicado que ela ilustrou com desenhos. Esse livro "Álbum de Pagu" ou - Pagu " Nascimento, Vida, Paixão e Morte", teve apenas publicação póstuma nas revistas “Código”, de Salvador, em 1975 e "Através", de São Paulo, em 1978.


1929. Pagu casa com Waldemar Belisário.

O romance com Oswald navegava por águas turbulentas, que acabaram por leva-la a casar- se com o pintor Waldemar Belizário, em setembro de 1929, e anular o casamento, em fevereiro de 1930. Toda a farsa fora montada por Oswald com a conveniência de Belizário, que lhe devia favores, para salvar as aparências, pois Pagu estaria grávida. O casamento de Patrícia com Waldemar Belizário em 1929 foi anulado. Foi tudo uma farsa. Tinha sido combinado. Ela se casou, todo mundo feliz, o Oswald e a Tarsila foram padrinhos, e a Tarsila deu de presente um quadro dela, que por incrível que pareça era um touro, com chifres na cabeça. Waldemar e a Patrícia, após o casamento foram pra Santos, pois tinham dito que iam embarcar em lua de mel. No meio da estrada estava Oswald e alí acabou o casamento. A família tinha ido para Itanhaém, pois era tempo de férias e foi seu pai quem contou a todos o acontecido: - A Pat fugiu com Oswald de Andrade disse”. Sua irmão Sidéria conta “Meu grito foi “Mentira, não acredito”, e a Pat me contava muita coisa, quase tudo, mas essa ela não me contou, essa foi segredo mesmo. Daí foi aquela desgraceira desgraçada, não é, a gente teve que sair de Itanhaém imediatamente, mamãe recusou ver qualquer pessoa mais das relações, porque aquilo envergonhava a família, eu voltei infeliz de Itanháem, ficamos em São Paulo, e eu estava absolutamente proibida de ver a Pat. Então, nós ficamos em São Paulo uns tempos. Para nós seus familiares, foi muito triste tudo aquilo”.


1930. Casa com Oswald. Nasce Rudá de Andrade.

Pague Oswald se casaram em janeiro de 1930. Rudá nasceu em 25 de setembro de 1930. A Pagu já tinha então algumas experiências de comunismo e quem cuidou do bebê foi uma enfermeira do Hospital chamada Lúcia, que foi levada pra casa dela e virou comunista também e mais tarde ficou presa com ela. Em março de 1931 fundam o jornal tablóide "O Homem do Povo". O jornal, no qual Pagu escrevia artigos, fazia desenhos, charges e vinhetas, além de assinar a seção "A Mulher do Povo" em que criticava as feministas da elite e as classes dominantes, durou apenas oito números, tendo sua circulação sendo impedida pela polícia. A experiência no jornal O Homem do Povo rendera a Pagu a condenação de dois anos de prisão, evitados com uma fuga para a Argentina. Pagu encontrou-se com Luis Carlos Prestes, também refugiado em Buenos Aires, em 1930. “Um aspecto curioso é que nos encontramos num bar e, sem sair da mesa, conversamos durante 48 horas”, exagera Pagu. Para ela essa conversa foi decisiva. Pagu já é militante. Na volta ao Brasil,em dezembro em 1930, filia-se ao Partido Comunista.


1931. Pagu e Oswald editam o Jornal HOMEM DO POVO.

Oswald e Pagu passaram a editar o jornal O HOMEM DO POVO, a tribuna para os seus disparos irreverentes. Imprensa nanica que utilizava-se de uma linguagem ferina e bem humorada, tratando com humor e sem piedade, temas e pessoas evidentes no cenário político, religioso e social. Este pasquim teve uma vida curta, de apenas oito edições. Pagu colaborava com cartoons, tiras de humor, opinava nas revoluções gráficas e assinava a coluna A MULHER DO POVO, onde exercitava a polêmica, utilizando como pano de fundo pensamento marxista, como na 1ª edição de 17 de março de 1931, quando escreveu o artigo Maltus Além, trocadilho com Matusalém, o ancião da Bíblia e as pregações celibatárias do pastor Maltus. Pagu criticava, no artigo, o feminismo em nome do materialismo histórico e defendia a vinculação das reivindicações feministas a uma transformação global das relações sociais, já que eram as condições mentais e materiais da sociedade que vinculavam a figura da mulher a uma suposta inferioridade. A irreverência de O HOMEM DO POVO foi a responsável pelo seu próprio, fim. Oswald, ex-aluno da Escola de Direito do Largo de São Francisco, em artigo, denominou esta tradicional instituição de ensino como um “cancro que mina o nosso estado”. Após esta declaração, os estudantes empastelaram o jornal.


Em Santos, Pagu é presa pela primeira vez

Em agosto de 1931, como militante comunista, Pagu participa do comício do Partido e dos estivadores em Santos, na Praça da República. Escolhida como principal oradora , ela é agarrada por policiais, que tentam amordaçá-la. O estivador negro Herculano de Souza vai em sua defesa, é baleadoe ela levanta do chão sua cabeça ensangüentada. Ele morre em seu colo. Pagu é presa e levada ao cárcere 3, na Praça dos Andradas, considerada a “pior cadeia do continente”, onde permanece duas semanas. Transforma-se assim na primeira mulher presa no Brasil por militância política.


1933. Lançamento do livro Parque Industrial

Em janeiro de 1933, Pagu lança seu primeiro romance: "Parque Industrial, com pseudônimo de Mara Lobo por exigência do Partido e financiado por Oswald. Seu livro é reconhecido pela crítica como o primeiro romance proletário do Brasil. O cenário: os bairros do Brás e Belém na década de 30. O romance de Mara Lobo e um panfleto admirável de observações e de probabilidades. O seguinte período define o espírito do livro: “Pelas cem ruas do Brás a longa fila matinal dos filhos naturais da sociedade. Filhos naturais porque se distinguem dos outros que tem tido heranças fartas e comodidade de tudo na vida. A burguesia tem sempre filhos legítimos. Mesmo que as esposas virtuosas sejam adulteras...”. Há nessas linhas algumas pitadas de verdade. E por isso, sem ser integralmente verdadeiro, o romance de Pagu é uma mentira entre as da convenção social.


A jornalista

Pagu se atraía pelas transformações mundiais. E é como repórter itinerante, credenciadas pelos jornais: Correio da Manhã, Diário da Noite e Diários Associados que parte para a Ásia e Europa. “Seu projeto era atravessar a China e chegar à fronteira da Sibéria”, escreve Geraldo Ferraz. Em 1933 quando passa pela União Soviética, sedesencanta com a Revolução Russa. Ela conta sua decepção com o Partido Comunista: “O ideal ruiu, na Rússia, diante da infância miserável das sarjetas. Em Moscou, hotéis de luxo para os altos burocratas... Na rua, as crianças mortas de fome: era o regime comunista”. De Moscou vai a Paris, em 1934. Torna-se amiga dos surrealistas Breton, Grevel, Peret. Discute os conceitos de arte revolucionária e o papel do intelectual, às vésperas do Congresso de Escritores de 35, que determinaria a adesão de muitos ao realismo socialista e o rompimento dos surrealistas com o PC soviético. Presa várias vezesem manifestações de rua, é repatriada em 1935.


Sementes de soja

Conta Raul Bopp: “ Pagu, numa viagem ao Oriente, fez relações de amizade com Mme. Takahashi, de nacionalidade francesa, casada com o Diretor da South Manchurian Railway (verdadeira potência dentro do novo Império manchu, criado sob a égide do Japão). Com a influência de sua amiga, Pagu tinha fácil acesso ao Palácio de Hsingking. Conversava informalmente com o jovem imperador Puhy. Ambos pedalavam as bicicletas, dentro do parque amuralhado da residência Imperial.quando, numa das suas viagens a Cobe, Pagu me narrou o ambiente de familiaridade que existia em Hsingking, pedi que ela procurasse arranjar com puhy algumas sementes selecionadas de feijão-soja. Depois de algumas semanas, foram entregues no Consulado, precedentes da Manchúria, 19 saquinhos de sementes dessa leguminosa, que foram enviadas ao Embaixador Alencastro Guimarães, oficial do gabinete do Ministro das Relações Exteriores, Dr.Afrânio de Mello Franco. Esse diplomata, sem perda de tempo, enviou-as ao Ministro da Agricultura de aclimatação, em São Paulo.”


Poema para Pagu

O apelido Pagu foi dado por Raul Bopp,teria mostrado a Raul alguns poemas e, na mesma ocasião, o poeta sugeriu que ela adotasse um “nome de guerra” literário. Sugeriu Pagu, brincando com as sílabas do nome da escritora, que Bopp equivocadamente acreditava se chamar Patrícia Goulart.


 

CÔCO DE PAGU
(Raul Bopp)

Pagu tem os olhos moles
uns olhos de fazer doer.
Bate-coco quando passa.
Coração pega a bater.

Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.

Passa e me puxa com os olhos
provocantissimamente.
Mexe-mexe bamboleia
pra mexer com toda gente.

Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.

Toda a gente fica olhando
o seu corpinho de vai-e-vem
umbilical e molengo
de não-sei-o-que-é-que-tem.

Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.

Quero porque te quero.
Nas formas do bem-querer.
Querzinho de ficar junto
que é bom de fazer doer.

Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.


1936. Pagu é presa novamente...

Sua irmã Sidéria conta: “Como eu disse, depois que entregamos o Rudá para o Oswald, continuamos, eu e a Pat, morando na Rua dos Andradas, ela trabalhando na “Platéia”, eu, na escola, até o dia 27 de novembro, que foi o dia do golpe, não é, e eu sabia que ia haver alguma coisa e fiquei esperando a Pat feito uma doida, fui na “Platéia”, procurei por todo o canto e não encontrava mesmo; daí eu resolvi voltar pra casa e quando foi mais ou menos 11 da noite, ela chegou e disse: bom, a gente tem que sair porque está determinado que a gente tem que estar na rua hoje, nós estamos escaladas pra ficar em tal lugar, parece que era a Av. São João. Então nós saímos, vestidas, preparadas pra guerrilha – ai, que ridículo! – fazer a revolução com estilingue. E veio um camburão da polícia acompanhando a gente. Então entramos no Bar Natal, na Av. São João, ela estava cheissimo e nos sentamos numa mesa e os tiras entraram também, então diversas pessoas avisaram, jogando bolinha de papel escrita em cima da mesa e tudo, mas o bar foi esvaziando. E daí a gente não tinha outro jeito, não podia ficar lá, não, porque ia ser fogo, não é, então a gente saiu, subiu a ladeira São João, acompanhada, e naquele tempo tinha ali, do lado do Martinelli, um ponto de táxi, a gente passou e falou pro motorista “bota o carro em movimento”, e os tiras passaram, a gente voltou, tomou o táxi e saiu, se mandou, daí foi uma perseguição cinematográfica, engraçada pra burro, saiu um carro, outro carro, bom, e a gente despistou os caras e nós apelamos pro papai, e papai levou a gente pra casa de um primo onde à gente passou a noite. Depois disso nós fomos pra casa de um motorista da Light, português, que era na rua Ibituruna, no Jabaquara – esse motorneiro depois foi preso, foi expulso. E depois a gente passou a morar lá, de qualquer jeito, em qualquer lugar, onde dava jeito, e estava tudo errado, e daí eu arranjei um quarto no Largo Colombo e perdi um pouco de vista a Pat. E um dia eu sai para ter um contato qualquer e fui presa. E a Pat continuou solta. Eu fui pro Presídio Paraíso, e fiquei lá, torcendo pra Pat não ser presa, mas não demorou muito, ela foi presa também. Daí, foram anos de Presídio Paraíso, Maria Zélia....”


1940. King Shelter - mais um pseudônimo usado por Pagu

Em apenas seis meses - de junho a dezembro de 1944 -, o escritor King Shelter tornou-se um fenômeno entre os fãs brasileiros de literatura policial, que compravam os exemplares da revista Detective em busca de seus contos. Da mesma maneira que surgiu - repentinamente -, Shelter desapareceu. Os nove contos escritos para Detective (revista dirigida por Nelson Rodrigues), um dos mais bem-sucedidos exemplos da literatura pulp fiction no Brasil, jamais foram reeditados. 54 anos depois King Shelter reaparece. E, como em um bom enredo policial, sua identidade é finalmente revelada: King Shelter foi o pseudônimo usado por Patrícia Galvão.


Pagu com Geraldo Ferraz, seu marido e seu segundo filho Kiko

Passada a fase panfletária e de militância política, a história de Patrícia Rehder Galvão, ficou marcada pelo processo de profissionalização no jornalismo. Em 1942, casada com Geraldo Ferraz, foi redatora de A Manhã e de O Jornal, no Rio, e de A Noite, em São Paulo. Sempre acumulando mais que um emprego, em 45 a jornalista trabalhou na agência de notícias France Presse, editou com a colaboração de Geraldo Ferraz a Famosa Revista e integrou aredação do Vanguarda Socialista. No Vanguarda publicou apenas um artigo político e muitas crônicas literárias. "Naquela época, jornalista já não podia ter um emprego só". conta Geraldo Galvão. Ainda nesse período de 45 a 50, marcado por intensa atividade jornalística, Patrícia passou pelos jornais: o italiano Fanfulla, O Tempo, Jornal de São Paulo e Diário de São Paulo. O jornal Diário de São Paulo viveu uma fase de pauta de alto nível, com a colaboração de Patrícia e Geraldo Ferraz. O Suplemento Literário que editavam levava semanalmente até seus leitores autores inéditos, nada menos que James Joyce, Mallarmé, Kafka, entre outros. "Patrícia escrevia uma biografia crítica e publicava trechos de cada autor. É a primeira vez que sai um texto de Ulisses no Brasil", conta ele.


1945. É candidata a deputada estadual. Não é eleita

No ano de 1945, publica seu segundo romance, A Famosa Revista, no qual denuncia os males de um partido (PCB) monolítico. De 46 a 48, passa a escrever no suplemento literário de O Diário de São Paulo.Ao mesmo tempo em que lança o histórico manifesto Verdade e Liberdade, concorre a uma cadeira à Assembléia Legislativa de São Paulo, pelo Partido Socialista Brasileiro, em 1950. Ela ainda faz uma última tentativa de resgatar sua militância política.Concorreu à Assembléia Legislativa, mas seu discurso acabou não agradando. Nele ela revelava as condições degradantes que foi submetida, que seus nervos e inquietações acabaram transformando-a "numa rocha vincada de golpes e amarguras, mas irredutível". Não consegue se eleger.


Trecho da carta para Geraldo Ferraz, escrita quando esteve presa na Casa de Detenção de São Paulo.




Por seu ideal político, foi presa mais de 20 vezes!

Com Plínio Marcos na intensa vida cultural de Santos-SP

A importâcia de Pagu na vida cultural da cidade de Santos-SP foi tão grande que foi fundadora da Associação dos Jornalistas Profissionais e a primeira presidente da União de Teatro Amador da cidade. Ela levou para Santos mais de 1200 participantes para o 2º Festival de Teatro Amador e traduziu para o teatro a peça de Ionesco, "A cantora careca". Dirigiu e também traduziu a peça de Arrabal "Fango e Lis" (59) com um grupo amador (essa peça teve estréia mundial em Santos, sendo vista até em Paris), ficando mais de dez anos em cartaz.


12 de dezembro de 1962. Morre Patrícia Rehder Galvão - a Pagu

“Deu-se esta semana uma baixa nas fileiras de um agrupamento de raros combatentes. Ausência desde 12 de dezembro de 1962, que pede seu registro do companheiro humilde, que assina estas linhas. Patrícia Galvão morreu neste dia de primavera, nessa quarta-feira, às 16 horas (...) Morreu aqui em Santos, a cidade que mais amava, na casa dos seus, entre a Irmã e a Mãe que a acompanhavam, naquele momento e, felizmente, em poucos minutos, apenas sufocada pelo colapso que a impedia de respirar, pela última palavra que pedia ainda liberdade, ‘desabotoa-me esta gola’”. (Geraldo Ferraz, A Tribuna, 16/12/1962)


Bilhete para Oswald de Andrade — 1930

 

"Sairás pelo meu braço grávida, de bonde/
Teremos seis filhos/E três filhas/ E nosso
bonde social/
Terá a compensação dos cinemas/ E dos aniversários dos bebês/Seremos felizes
como os tico-ticos/ E os motorneiros/
E teremos o cinismo/ De ser boçais/Como os demais/ Mortais/ Locais"

Oswald de Andrade

"Dentro desta mulher, longe de condicionamentos e repressões estéticas, literárias, sexuais, sociais e culturais, topamos com a leveza dos traços, quase infantis, característicos de uma Arte Moderna, que retratam a sensibilidade de sua alma".

Maria Lúcia Teixeira Furlani

“Pagu foi pioneira nas idéias e na ação, transcendeu seu tempo, por ousar sofreu, sentiu ostracismo, foi perseguida, presa, torturada, não se vergou, não se entregou. Somente a doença venceu-a. A vida do espírito, porém, desconhece a morte. Fez história. É sanjoanense.”

Maria Célia Campos Marcondes


NOTHING

Nada nada nada
Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas o nada
Pois existe o só nada
Um pára-brisa partido uma perna quebrada
O nada
Fisionomias massacradas
Tipóias em meus amigos
Portas arrombadas
Abertas para o nada
Um choro de criança
Uma lágrima de mulher à-toa
Que quer dizer nada
Um quarto meio escuro
Com um abajur quebrado
Meninas que dançavam
Que conversavam
Nada
Um copo de conhaque
Um teatro
Um precipício
Talvez o precipício queira dizer nada
Uma carteirinha de travel's check
Uma partida for two nada
Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas
Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava
Um cão rosnava na minha estrada
Um papagaio falava coisas tão engraçadas
Pastorinhas entraram em meu caminho
Num samba morenamente cadenciado
Abri o meu abraço aos amigos de sempre
Poetas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada.

Pagu/Patricia Rehder Galvão
Publicado n'A Tribuna, Santos/SP, em 23/09/1962