maria sguassábia

(biografia)

 

Maria vai à guerra



Antes de chegar ao seu destino, depois de meia hora de marcha, uma contra-ordem. O caminhão deveria voltar e a 4ª Cia ocuparia novamente as trincheiras na fazenda paulista. Poucas horas depois, Maria viu-se pela primeira vez debruçada num talude de trincheira, com o fuzil apontado para o nada da noite. Antonio insistiu ainda:


-Deixe de teimosia. Se quiser mesmo ajudar os revolucionários, vá para a cidade e fique na retaguarda, costure fardas, sirva numa cantina, num hospital de sangue, nos lugares, enfim, em que as mulheres costumam ajudar.


Maria, indiferente a súplicas do irmão, olhava fixamente para o alto da colina , à distância, banhada de luar, onde supunha fosse aparecer o inimigo. Já dentro das trincheiras, se lembrou de que nunca em sua vida manejara arma de fogo e então percebeu que não sabia manejar o fuzil. No entanto, até uma cartucheira recheada de balas ela conseguira. De dar tiro, porém, a única coisa ela sabia fazer era puxar o gatilho. Mas para o tiro sair, devia haver alguma complicação técnica antes. Lá na colina banhada pelo luar, surgiram vultos. Maria mal teve tempo de pensar que vultos
seriam aqueles e, uma saraivada de balas zunia sobre ela, pipocando chocho na terra mole da trincheira. O tenente Meira circulava entre os soldados, agachado, dando ordens. De súbito, ele gritou: "Fogo!"

 

Maria na trincheira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tenente Mario Meira

 

Felizmente, tudo correu bem e o combate terminou sem baixas para a tropa revolucionária. Em seguida, o Tenente Meira, superior imediato, percorreu toda trincheira, perguntando se havia alguém ferido. Quando... de repente, o tenente estacou! Estava diante de Maria. Ela bem que ela tentou engrossar a voz, mas seus cabelos, soltos ao vento, chicoteavam as suas faces. Seu irmão, que estava perto, foi logo dizendo para o Tenente: “É minha irmã”. Ela ficou firme. O tenente espumou de raiva.


Parado diante dela, esbravejou:

- A senhora é louca? Que é que está fazendo aqui? Volte para a cidade. Como é seu nome?

- Maria Stela Rosa Sguassábia.

- A senhora não compreende que, em vez de ajudar, vai atrapalhar? Mas, francamente!

- Eu quero ficar, implorou-lhe Maria. Argumentou, justificou.

O tenente estava irredutível:

- A senhora não tem juízo? Como é que veio parar aqui? Já! Volte para a cidade.

Furioso, o Tenente disse-lhe que não precisava de mulheres e sim de munições. Ela teria que voltar para casa de qualquer jeito. Não queria saber de mulheres no meio de sua tropa. Alguns soldados reconheceram a professora da fazenda e interferiram. Alguém então sugeriu que antes dele tomar uma atitude definitiva, que fosse consultado o Estado Maior, que encontrava-se aquartelado em São João da Boa Vista. Outras vozes aplaudiram a idéia. O tenente vacilou. Bufou ainda, mas acabou concordando. O primeiro mensageiro que saiu para São João levou a consulta.

 

 

 

Maria foi aceita no batalhão com SOLDADO MÁRIO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Certificado de participação na Revolução de 32

 

Foram poucos os dias que a 4ª Cia. sustentou sua posição na fazenda paulista. Com a queda de Aguaí (antiga Cascavel) e outras cidades da região em poder dos ditatoriais, todo o 1º Batalhão teve de se retirar rapidamente para Casa Branca, a fim de não ser envolvido. Caminhões com soldados e víveres saiam em direção das estradas. Os trens apitavam na Estação Mogiana, em barulhentas manobras aumentando a confusão. Maria aproveitou para rever sua filhinha e seu pai. Mal conseguiu abraçá-los, teve que sair correndo em busca do caminhão que a transportaria. Só pela manhã terminou a retirada para Casa-Branca, onde o Comando Geral de todo o Setor, compreendido entre Mococa e Aguaí (Cascavel), assumiu o compromisso de retomar as cidades paulistas, caídas em poder das tropas inimigas. Concentrados na linha de combate constitucionalista, os atacantes mudaram a tática e se entrincheiraram pelos abrigos que encontravam. Maria sente o coração aos pinotes. Pela primeira vez, ela vê o inimigo. Agora, ele não é um vulto negro, indistinto, contra o qual atirava sem saber se tinha acertado ou não. O inimigo está ali, a três quilômetros, se tanto. E, a medida que se aproxima, pode ela escolher um homem qualquer, a esmo, enquadrá-lo na massa de mira e abatê-lo, como fazem os caçadores com as feras. A professorinha rural já sabe manobrar a arma com certo desembaraço. Só os "solavancos" do coração ainda perturbam um pouco a pontaria. A luta durou vários dias. Houve vários feridos, leves e gravemente. Um soldado desconhecido morreu na trincheira.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O trem blindado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maria comportou-se durante toda a luta como verdadeira guerreira e com os seus companheiros de trincheiras, recebeu diretamente o ataque das tropas contrárias, sem uma reclamação, sem alimentação e mesmo água para beber. Manteve-se calma, tornando-se alvo da admiração e estima de todos os companheiros. Na segunda-feira, encharcada até os ossos, faminta, esfarrapada, Maria assistiu a debandada do inimigo. Mal, porém, a tropa se refez do choque violentíssimo, receberam ordens para cercar a qualquer preço a cidade de Vargem Grande alguns quilômetros adiante.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CREIO

Creio no pavilhão da Treze Listas,
Na Santa União de todos os paulistas,
Na comunhão da terra Adolescente,
Na remissão de nossa gente,
Numa ressurreição do nosso bem,
Na vida eterna de São Paulo,
Amém.

                                                                    Guilherme de Almeida 

 

 

Maria na trincheira

Ela aponta na direção dos vultos negros e movediços, puxa o gatilho. Sente uma pancada terrível no ombro. Quase caiu de costas com o recuo da arma, por não saber que tinha que encostar a coronha ao ombro. Meio atordoada, armou novamente o fuzil, apontou: outra pancada no ombro; depois outra, e mais outra. Reanima-se. Manobra o fuzil, puxa o gatilho de novo. Outra pancada. Mais outra, mais outra. Antonio resmungava ainda. Depois da quinta pancada, o percussor bateu em seco um estalido metálico. Estava sem munição. Olhou desesperada para Antonio. Não sabia encher o carregador da arma. Ele, mudo, com maus modos, tirou-lhe o fuzil da mão. Puxou o ferrolho para traz; levou-o à frente; torceu-o à direita, ensinou-lhe a remuniciar a arma e seco disse-lhe: "Agora, é só puxar o gatilho. Está armado. Para armar novamente, faz a mesma coisa. Entendeu?". As balas, porém, continuavam a zunir e a ricochetear nas pedras, produzindo um zumbido metálico impressionante. Parecia-lhe que o inimigo dava mais tiros por minuto de que os seus companheiros da 4ª Cia.. Por perto dela, alguém gemia e praguejava. Os vultos desapareceram da colina. Quando a madrugada começou a despontar, o inimigo cessou o fogo. Maria verificou que estava com os braços exaustos e que seu ombro direito estava roxo, dolorido, pisado de sangue, de tantos “coices” do fuzil. Mas é tomada por uma alegria diabólica! O coração ficou limpo, aliviado, quando percebeu que o inimigo recuou. É dia claro. O tenente ordena a cessação do fogo. Maria tinha tudo que pretendera dizer aos ditatoriais, isto é, que se muitos homens são medrosos, há mulheres que sabem brigar.

 

Como ela insistia em ficar, seu caso foi levado ao Comandante da Coluna. O Estado-Maior, entretanto, não quis assumir a responsabilidade da decisão e remeteu a consulta diretamente ao comandante supremo dos exércitos naquele setor, o capitão Romão Gomes, em seu Quartel General em Águas da Prata. Ao contrário do que se esperava, Romão Gomes não se importou com a presença de Maria, consentindo que ela continuasse combatendo. Deu gostosas gargalhadas e respondeu:

- Bonito será para ela, se resistir, enquanto muitos homens barbados estão fugindo ao ouvir os primeiros tiros. Será um exemplo para todos.

 
A seguir, deu a ordem:

- Pode ficar. Se agüentar o repuxo, servirá de exemplo aos medrosos. Se não agüentar, pode abandonar as trincheiras, quando quiser.

 

Maria, então, é incorporada à 4ª Companhia do 1º Batalhão Paulista da Milícia Civil, com o nome de... Mário Sguassábia.

O tenente Mario Meira com o seu grupo, seguido de perto por Maria, foi enviado, às pressas, para tentar um envolvimento pela esquerda, antes que o inimigo se abrigasse. Mas era tarde. Os soldados do tenente Meira foram recebidos sob tremenda fuzilaria. A situação tornou-se dramática. Corriam risco de serem massacrados. Maria resmungou, com seus botões: "É por causa desses relaxamentos que eu me meti nesta guerra". O capacete de Maria é "riscado" por um projétil. Alguns morrem. E a soldados inimigos "cresceram" diante das posições da 4ª Cia. Súbito, surge na planície o trem blindado, arma de guerra improvisada pela indústria paulista. Vem solene e vagaroso. Tomado de surpresa, o inimigo suspende o fogo. Meio desabrigada, a soldadesca inimiga corre em todas as direções e é varrida pelas metralhadoras de bordo. Apanhou grande parte das Tropas atacantes em dois fogos, fazendo-lhes grande mortandade. O trem blindado assustou as tropas mineiras, que precavidas contra ele, esconderam-se nos montes de lenha e arrancaram grande parte dos trilhos. As balas se chocaram contra a blindagem, produzindo um ruído que Maria comparou ao de uma máquina de costura picando aço. De repente, porém, uma das janelas da locomotiva se entreabre. O maquinista quer "espiar a guerra". Uma bala corta, rápido, sua curiosidade, matando-o. Os soldados a bordo descontrolaram-se. E, solene, como chegou, o trem blindado fez marcha-à-ré, deixando a 4ª Cia. sozinha novamente com o inimigo, que de novo "cresce" sobre as suas posições agora quase insustentáveis.

    VOLTA      SEGUE

Desfile em comemoração a 9 de Julho

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