orides fontela

(biografia)

1

 

Noite calma de outono. Céu límpido e estrelado. Uma menina caminhava rapidamente pelas ruas paralelepípedos, de braços dados com seu pai e agarrada a um guarda-chuva. Usava um vestido branco com mangas bufantes e muitos saiotes para aumentar o volume de seu vestido, tentando esconder um corpo muito magro. Não olhavam pra ninguém. Viviam num mundo fechado, só deles. Iam ao cinema, como faziam todas as semanas. Este era o programa preferido dos dois...Seu nome? Orides Fontela.

 

ODE II

O amor, imor

talidade do instante

totalização da forma

em ato vivo: obscura

força refazendo o ser.

O amor, momen

to do ser refletido

eternamente pelo espírito.

 

 

1940. Orides Fontela nasce em São João da Boa Vista

 

 

 

 

 

 

 

SONETO À MINHA IRMÃ
(nascida morta)

No opaco silêncio estátuas virgens
De sal e luz trombaram, desmembradas,
No abismo das lúcidas origens
Dormem nomes e formas olvidadas.

Dormem –não se levantam –primitivas
Ideias puras no limbo fenecidas
Pulcras estátuas virgens, mas cativas,
À luz total do ser não prometidas.

Na memória elas pesam como puro
Tormento, arremessadas neste escuro
Poço das coisas frustradas, não nascidas:

Assim vives em mim, irmã, singela
Pulsas em mim como a visão mais bela
Entre rosas sepultas e queridas


 

 

 

 

 

 

 

 

Ginásio São João, onde Orides estudou

"Entrei no dito Ginásio (e foi muita sorte), fiz meus primeiros sonetos, aprendi métrica com meu saudoso professor Francisco Pascoal e com Gonçalves Dias (A tempestade). Li, naquela época, Manuel Bandeira e Alphonsus Guimaraens, (todos os menores etc). Bem ou mal, adquiri a aura de poeta municipal e para o gosto local eu era ótima. Desde os 16 anos tive poemas publicados nos jornais da cidade (principalmente, ou exclusivamente, O Município). Tudo muito local, dia da árvore, das mães, natal. Se ficasse nisso, nisso estaria até hoje, e tudo bem. Como mudei, e atingi, senão a grande literatura, pelo menos algo de nível, digamos, estadual, algo que os paulistanos aceitassem? Esse é o primeiro problema real, e é meio misterioso até para mim..." (Orides Fontela)

 

ODE III

Pouco é viver

mas pesa

como todo o ser

como toda a luz

como a concentração do tempo

 

 

 

 

 

 

 

 

COROS

Coros pungentes

cores

do crepúsculo

ser perdido em

vozesfragmentos

arestas

violação

de um só silêncio

lúcido.

 


Grupo Escolar Cel. Joaquim José, frequentado por Orides na década de 40

"A conheci ainda menina em São João da Boa Vista. Ela foi minha companheira de período no Grupo Escolar "Coronel Joaquim José". Era uma menina um pouco peculiar, como foi a vida inteira, pois não sabia controlar os risos e as lágrimas. Os anos foram passando... Algumas vezes eu a via no consultório médico de meu pai. Orides ia com o pai, com quem se dava muitíssimo bem. Eu também o conheci. Era um marceneiro, homem bom, simples, modesto e pobre, com uma inteligência viva, arguta, perguntadora e também muito engraçado e, neste sentido, ela era bastante parecida com ele. Às vezes eu a via no cinema acompanhada do pai. Gostava de fazer comentários altos, sem se incomodar se atrapalhava as pessoas. Ela não tinha muito a medida do outro." (David Arrigucci Jr)

 

Fala

Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.



 

 

 

 

 

 

“Está descrita a Orides que conheci com o guarda-chuvas do pai embaixo do braço, entrando no Cine Avenida, para assistirem ao vesperal. Expressão facial esquizofrênica, entre medrosa e assustada, olhando para todos os lados, sem parar...Quem poderia adivinhar, naquele tempo, que iria traduzir esse estado de coisas através dos versos...

Era daquelas meninas que todos olhavam e diziam: "Coitadinha". Sempre caminhando dois passos atrás do pai, meio curvada, em posição corporal que dava a crer pretendesse esconder os seios, usando óculos chamados pela garotada de "fundo de garrafa", olhares esguios e soslaientos, vestida, como se dizia na ocasião: da cabeça aos pés, calçados que podiam ser confundidos com sapatos masculinos, braços à frente da cintura com punhos fechados, cabelos amarrados, indefectivelmente, à moda Maria Chiquinha, com nada parecido com fitas de cabelos. Era uma figura ímpar, magérrima, por vezes agressiva se questionada por pessoas de sua idade, exacerbada de indignação se lhe dirigiam gracejos alusivos ao manequim e vestimentas. Quem sabe não pudemos avaliar que ali dentro daquele corpo existia um cérebro com Q.I. avantajado, nada obstante revoltado. Orides era assim”.  (por Wildes Bruscato)

 

 

 

24 de abril de 1940. Numa pequena cidade,"com montanhas arcaicas, ventre de um sol perfeito de uma infinita Lua", chamada São João da Boa Vista, exatamente às 23 horas, ali na Rua Oscar Janson, nº 18, nasce Orides de Lourdes Teixeira Fontela. Filha de Álvaro Fontela, “plainador”, carpinteiro, como disse Orides em um documento escolar e Laurinda Teixeira Fontela, dona de casa. Orides nasceu no seio de uma família modesta, sem recursos financeiros, porém, pessoas honradas e trabalhadoras. Amavam a única filha. Tiveram outra, que morreu ao nascer, a quem Orides dedicou o “Soneto à minha irmã”. Seu pai Álvaro, descendente de espanhóis vindo da Galícia, era analfabeto, mas muito criativo; sua mãe Laurinda, que descendia de portugueses, era alfabetizada e ensinou as primeiras letras a Orides. Um tio, irmão de sua mãe, era dono de uma papelaria e de certa forma tornou-se o protetor da família.

 

Aos 7 anos de idade Orides entrou para o Grupo Escolar Joaquim José, tradicional casa de ensino da cidade. Depois, cursou o Ginásio São João e o curso secundário, entrou para o Instituto de Educação Cel. Cristiano Osório de Oliveira, onde em seguida formou professora pela Escola Normal. Foi a primeira da classe e por este motivo, recebeu uma cadeira-prêmio de acordo com a legislação da época. Especializou-se em pré-primário, mas não tinha nenhuma paciência no trato com seus alunos. Quando cansava, convidava os alunos a brincar de roda. Gostava de cantar canções infantis e assim, ia até o final do expediente. Tinha voz muito aguda e por algum tempo, fez aula de canto lírico no Conservatório Guiomar Novaes, com a professora Mirian Pipano, em São João da Boa Vista.

    VOLTA      SEGUE

CENA

 

Um coro estranho se ergue dentre essas ruínas,

Antigas sombras vagam, a cantar

Glórias passadas.

E sob a paz imensa das árvores anosas

Mistérios sem resposta se aglomeram...

Lá em cima, o céu – e aqui, vultos informes

Como saudades materializadas

Estáticos entoam um canto que é chorar...

Um coro estranho se ergue dentre essas ruínas,

Antigas sombras, estáticas, rezam.

Ou é, apenas, o vento que soluça

Passando, indiferente, pelos ramos?...

 II

 Ah! Daqui

Vento nenhum arrastará a noite

E exporá ao Sol os mistérios, que dormem

Sob a paz tutelar, das árvores anosas...

 

                                                        17 de outubro de 1956

 

           Arquivo Histórico localiza "poema perdido" de Orides Fontela

 

           Debruçado no acervo do jornal O MUNICÍPIO, o presidente da Comissão do Arquivo Histórico, Hediene Zara, encontrou a edição de 17 de outubro de 1956. O periódico, que circulou naquela remota quarta-feira, veiculou as primeiras linhas oficialmente divulgadas por uma das maiores escritoras da história do país, no cabeçalho das colunas sociais. Trata-se do primeiro poema publicado pela escritora, no ano de 1956, quando ela contava apenas 16 anos de idade.

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