orides fontela

(biografia)

INICIAÇÃO

Se vens a uma terra estranha

curva-te

se este lugar é esquisito

curva-te

se o dia todo é estranheza

submete-te

és infinitamente mais estranho.

 

 

Theatro Municipal que foi transformado em cinema na época de Orides. Costumava frequentá-lo com seu pai

"Quem me ajudou na época, foi minha prima Ana Maria Salomão. Além da prima, foi o senhor Oliveira Neto (que me emprestava os livros da melhor biblioteca de São João da Boa Vista, creio), a Sociedade de Cultura Artística, da qual eu era sócia e recitava nas festas. E havia a Senhora Madalena de Oliveira Azevedo, que me emprestava o Suplemento Literário do Estado de São Paulo. Eu não tinha um tostão, nem mesmo para jornal! Pô, como "paideia", isso era para lá de irrisório. Mas havia a louvável "hybris" da juventude, que faz com que " impunemente" nos consideremos gênios ou seja lá o que for isso. E havia a escrita selvagem, sem críticas nem peias, andando sozinha eu lá sabia para onde."(Orides Fontela)

 

Orides e suas leitoras sanjoanenses

 

 

 


 

 

 

David Arrigucci Jr. "descobre" os poemas de Orides

"De vez em quando eu lia seus poemas nos jornais de São João da Boa Vista, mais no Município do que na Cidade de São João. Eram sonetões parnasianos de gosto médio, assim mais ou menos isto que ficou convencional nas cidades do interior: um gosto que parou na poesia do fim do século. Na década de sessenta, li no Município um poema extraordinário chamado "Elegia I". (David Arrigucci Jr)

Elegia

Mas para que serve o pássaro?
Nós o contemplamos inerte.
Nós o tocamos no mágico fulgor das penas.
De que serve o pássaro se
desnaturado o possuímos?
O que era voo e eis
que é concreção letal e cor
paralisada, íris silente, nítido,
o que era infinito e eis
que é peso e forma, verbo fixado, lúdico
o que era pássaro e é
o objeto: jogo
De uma inocência que
o contempla e revive
- criança que tateia
no pássaro um esquema
de distâncias -
mas para que serve o pássaro?
O pássaro não serve; arrítmicas
brandas asas repousam.

"É um poema belíssimo! Orides dera um salto inesperado. Como eu a tinha perdido de vista há muito tempo, resolvi procurá-la. Conversamos um pouco sobre este poema e perguntei-lhe se ela tinha outros poemas. No dia seguinte, ela apareceu com um fichário de capa preta, com um volume grande de poemas. Fiquei com a coletânea, li e assinalei um pouco os poemas. Disse-lhe, em conversa, que havia matéria, e muito boa, para mais de um livro. Se ela permitisse, tentaria publicá-los no Suplemento Literário do Estado de São Paulo , no qual eu estava começando a escrever. Escolhi três poemas de Orides, entre eles o "Elegia" e mostrei-os aos professores Décio de Almeida Prado e José Aderaldo Castello. Ambos ficaram muito impressionados com o texto que leram. O Décio imediatamente publicou os três poemas com ilustrações da Rita Rosemayer. Isto deve estar nos arquivos do Estadão." (David Arrigucci Jr)


Com José Marcondes, seu amigo de colégio

"Não tenho rotina para escrever. Pertenço à família dos poetas inspirados, embora eu seja anti-romântica e isso esteja também fora de moda, mas não é culpa minha. No fundo, talvez eu seja romântica. É tudo espontâneo, eu vou anotando em cadernos, em livros de outras pessoas, em pontas de papel. Depois, deixo descansar por longo tempo." (Orides Fontela) 

 

FUI EU?
eu fui
eu?
consegui?
Existir: assombro.
Fui eu! Serei?
Nem Deus
diz. Existir: a
bismo.
Como me
atrevi
como nasci?


Com Zezé Lopes, sua professora no ginásio


 

 

 

A ESTRELA DA TARDE

A estrela da tarde está
madura
e sem nenhum perfume

A estrela da tarde é
infecunda
e altíssima

Depois da estrela da tarde
só há:
o silêncio.


Autografando seu livro Teia em 1996, na Livraria Papyrus

"A obra de Orides permanece límpida e sem arestas. Nunca foi contaminada pela mesquinharia do quotidiano. Há um tom de amargura lírica e seca em seus poemas. Em momento algum, ela é sentimental, derramada ou frouxa. Sua voz poética original nasceu praticamente formada no primeiro livro. Seu alheamento a correntes ou modismos, possibilitou uma poesia que prima pela concisão, pela economia de recursos e densidade. Tornou-se lugar comum falar da poesia que busca o silêncio." (Donizete Galvão)

 

Kant relido

Duas coisas admiro: a dura lei

cobrindo-me

e o estrelado céu

dentro de mim.




 

 

 

 

 

 

"A primeira influência literária? Foi meu pai, analfabeto e tudo. Só que, a cada noite, me contava um "caso", uma história de fadas. O enredo desses contos era basicamente o mesmo, mas as peripécias eram sempre recriadas. Lembro de um em que o herói, saindo dos tempos atuais, chegava a um reino mítico e... instalava a eletricidade! Tudo incrível. Parecia que meu pai ainda habitava a Idade Média e sonhava inventar o moto-contínuo. Por tal lógica, eu deveria estar procurando a quadratura do círculo: só que estou procurando a "circulação do quadrado". Mas não sou muito diferente de meu pai... Minha mãe? Bem, ela me alfabetizou, na marra - bê-a-bá e puxão de orelha. E, na cartilha, achei os primeiros poemas escritos, um tal de "já no horizonte" e o hino nacional. Também devo mencionar, como pré-história, a Rádio Nacional e os poemas caipiras? Bem, como pré-história, chega: foi a Idade da Pedra, mesmo!" (Orides Fontela)

“Orides Fontela tinha um árduo trabalho de lapidação de suas poesias. Um esforço que a colocava na mesma trincheira daqueles que, segundo escreveu certa vez o poeta Carlos Drummond de Andrade, se lançavam à "luta vã" contra as palavras. Orides encarava a linguagem como uma luta. Assim como o mestre dela, Drummond. A presença desse poeta na poesia da Orides está na própria consciência da linguagem, na própria concepção da lírica como trabalho difícil." (Davi Arrigucci Jr)

José Marcondes, Francisco Bezerra, Orides Fontela

    VOLTA      SEGUE

“Estudei com a Orides no Instituto de Educação, no curso Normal, aqui, em São João da Boa Vista.. A visão que a Orides tinha amigas, não corresponde a verdade. Essa é a versão das "autoridades" da escola da época. Ela foi conosco várias vezes na sessão da matiné do Teatro Municipal. E como nós, comeu pão com mortadela lá dentro, feito pelos Pozzi. Ela não era "agressiva" da forma como relatam. Ela reagia com agressividade, quando provocada. Ela sempre andou com o guarda-chuva e nós, colegas, nunca apanhamos... Todas nós a adorávamos. Ela era um encanto de profissional, que não esperava o problema do aluno "explodir". Ela percebia quando algo não estava bem e procurava o aluno para auxiliá-lo. Todo mundo, alunos, servidores e professores, a adoravam. Mas a verdade histórica, é que ela nunca foi professora.  A Orides tinha uma letra em garranchos, mas não fazia isso para "provocar". Era o tipo de letra que ela tinha. Todas nós lembramos da Orides com ternura. Ela era amável com todas nós (mulheres). Repito, ficava agressiva, só quando provocada. Nunca tiver uma altercação sequer com a Orides. Quando ela veio autografar o livro na Papyrus, em 1996, e chegou minha vez eu disse: sou a Yvonne Palhares, sua companheira da Escola Normal. Ela levantou-se, abraçou-me e disse sorrindo: "Puxa vida, como você cresceu para os lados!". Foi  nosso último encontro.” (por Yvone Palhares)

“Fiz o primário com a Orides. Acho que era a única amiga que ela possuía na escola pois não me lembro de outras. Lembro-me  que  brincávamos eu,ela e sua prima Marli,  que depois casou com o Nogara. Lembro-me muito bem do seu pai, Sr. Álvaro   que era muito engraçado. Fazíamos piqueniques, brincávamos de princesas e ela desenhava todos  os personagens com vida! uma árvore ,tinha  membros, olhos, boca e nariz. Certa vez, o Sr. Álvaro nos levou para caçar borboletas. Peguei  muitos carrapatos, e ele me batia com um galho cheio de folhas para tirar os dito cujos. Cheguei em casa cheia de vergões e minha mãe ficou fula da vida. Mas você acha que alguém se importou? No dia seguinte fui brincar de novo. Eu achava isso uma glória, procurava imitá-la e nos dávamos muito bem. Enrolávamos panos no corpo para desfilarmos,mas já nessa época  ela era diferente ,mandona e muito criativa. Enjoava facilmente dos brinquedos. Parece que ainda a ouço dizer "Cervelini!!!" Fizemos também o ginásio no mesmo período, mas aí já me afastei dela pois era um gênio e eu, já não tinha os mesmos interesses. Senti muito sua morte”. (por Neusa Cervelini Barberini)

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